sábado, 10 de maio de 2008

" P A G A R   P A R A   C A Ç A R   S A P O S "

Foto: © Daniel De Granville, 2003



Quando comecei a idealizar o blog, tinha uma clara idéia sobre o texto que escreveria como forma de introduzir aos leitores a noção sobre o que é turismo científico. Em especial, queria enfatizar a questão de como soa estranho, para a maioria dos brasileiros, que possa existir pessoas pagando para conviver em um ambiente geralmente hostil, realizando atividades que estão longe do nosso conceito de programa turístico. Fiquei surpreso ao descobrir, em rápida pesquisa na internet, uma matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo em 21/11/2004 e que traduzia exatamente este meu conceito inicial. O texto, escrito por Evanildo da Silveira, começa assim:

“Pagar para se embrenhar na mata atrás de morcegos ou chafurdar em pântanos à caça de sapos e cobras é uma idéia no mínimo estranha. Pelo menos no Brasil. Mas por estranho que pareça há gente fazendo isso. Nos últimos quatro anos, pelo menos 700 pessoas, de 16 a 80 anos, das mais variadas profissões, a maioria de estrangeiros, se dispuseram a pagar US$ 2.400 para ajudar cientistas em pesquisas de campo no Pantanal”
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Por considerar a matéria muito interessante e eficiente como introdução ao tema, ao invés de desenvolver um novo texto eu optei por indicá-la como “leitura obrigatória” para quem quiser entender melhor o que é o turismo científico hoje no Pantanal, sob o ponto de vista das diversas pessoas envolvidas na atividade.

A matéria na íntegra segue abaixo, e a versão original encontra-se aqui. Se preferir, faça o download do arquivo em PDF.

Boa leitura!

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“PAGAR PARA CAÇAR SAPOS”
Originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo em 21/11/2004 - autor: Evanildo da Silveira

Pagar para se embrenhar na mata atrás de morcegos ou chafurdar em pântanos à caça de sapos e cobras é uma idéia no mínimo estranha. Pelo menos no Brasil. Mas por estranho que pareça há gente fazendo isso. Nos últimos quatro anos, pelo menos 700 pessoas, de 16 a 80 anos, das mais variadas profissões, a maioria de estrangeiros, se dispuseram a pagar US$ 2.400 para ajudar cientistas em pesquisas de campo no Pantanal.

Quem organiza as excursões dessa espécie de turismo científico é a Organização Não-Governamental Earthwatch Institute (EWI), que atua em cerca de 50 países. No Brasil, ela trabalha em parceria com outra ONG, a Conservação Internacional, que cede sua Fazenda Rio Negro, que tem uma área de reserva ambiental de 7 mil hectares, no município de Aquidauana, no pantanal de Nhecolândia, em Mato Grosso do Sul, para os estudos de campo.


Segundo o biólogo americano Don Eaton, diretor do Centro de Pesquisas do EWI no Pantanal, o objetivo das excursões é envolver a sociedade na ciência. "Queremos que as pessoas passem a dar valor à atividade científica", explica. "Além disso, nosso objetivo é transformar esses voluntários que participam das pesquisas em embaixadores da conservação do Pantanal."


Para a bióloga brasileira Ellen Wang, coordenadora do EWI no Pantanal, o envolvimento do público é uma das maneiras mais eficientes de abordar questões ambientais complexas em todo o mundo e conscientizar mais pessoas em relação a elas. "Participando de estudos científicos, elas percebem a necessidade da preservação dos recursos renováveis e não renováveis", diz. "Assim, elas podem ajudar na busca de soluções pelo desenvolvimento sustentável."


Além das pessoas que pagam uma taxa para participar das expedições científicas, que já somam mais de 65 mil em todo o mundo, o EWI também tem parcerias com empresas multinacionais, como o banco HSBC, a Shell, a British American Tobacco Company, a Diageo e a Alcoa e a mineradora Rio Tinto, que pagam para seus funcionários participarem das pesquisas. Assim como os voluntários individuais, eles trabalham com os cientistas por, no máximo, duas semanas.


Foi o caso do engenheiro florestal Paulo Augusto Bueno Rocha, da Mineração Corumbaense Reunida S.A. (MCR), empresa do Grupo Rio Tinto. Em dezembro de 2002, ele participou, durante uma semana, de três projetos de pesquisa. Durante a experiência, Rocha realizou diversas atividades, como preparar o material para a pesquisa no campo e a instalação de redes para captura."Foi espetacular", diz. "Participei de estudos sobre morcegos, onça-pintada e catetos e queixadas. A experiência foi ótima, pois aprendi muita coisa sobre a fauna."


Sua colega de empresa Tânia Shirley Sousa, secretária-executiva da gerência-geral da MCR, também não se arrepende de ter participado de um programa de turismo científico. Durante cinco em dias, em janeiro deste ano, Tânia participou das pesquisas sobre répteis e anfíbios da bióloga Vanda Lúcia Ferreira, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) "Adorei", diz. "Recomendo a qualquer pessoa. Participamos do Projeto Saving the Pantanal. O envolvimento e a preocupação foram contagiantes."


Sem nenhuma ligação anterior com ciência ou pesquisa, Shirley diz que aprendeu muito com a sua participação no trabalho dos cientistas. "Aprendi a entender que sem preservação não temos como desfrutar o meio ambiente", conta. "Seria bastante interessante que o projeto se estendesse às escolas de educação infantil e aos fazendeiros (os que mais degradam o meio ambiente, não todos, mas a maioria). Os anfíbios e os répteis são grandes indicadores de qualidade do meio ambiente."


Assim como eles, que saíram com novos conhecimentos da experiência, a empresa para a qual trabalho também teve ganhos. "Como parte do trabalho realizado na MCR fazemos a 'revegetação' das áreas mineradas", explica. "O conhecimento mais específico da fauna que adquiri ajuda nessa tarefa, pois o uso de espécies que atraem os animais para esses locais contribui, e muito, para o processo de sucessão natural das espécies vegetais e, portanto, na reintegração dessas áreas à paisagem natural."


Os cientistas, que a princípio estavam receosos de trabalhar com leigos, também aprovaram a experiência. "No começo achei que não iria dar certo", lembra a bióloga Vanda Lúcia. "Mas acabei me rendendo e adorando. Os voluntários são pessoas que não reclamam de entrar no mato, na água ou de desatolar um carro."


O ecólogo George Camargo, da mesma universidade, que realiza pesquisas sobre morcegos, é outro cientista que gostou da ajuda dos turistas científicos. Entre abril de 2002 e março deste ano, ele trabalhou com cerca de 60 voluntários de vários países e do Brasil, como Rocha, em grupos de três ou quatro, em períodos intercalados de 7 a 14 dias. "É um pessoal interessado e sempre bem-disposto", elogia. "Com a ajuda deles, capturei 690 morcegos de 25 espécies."


Outro aspecto que faz com que os turistas científicos sejam bem-vindos é o dinheiro. Parte dos US$ 2.400 que eles pagam para o EWI vai para os projetos de pesquisa. "É uma ajuda financeira importante", diz Camargo. "Com ela a gente pode comprar o material de consumo das pesquisas, como combustível, papel, tinta para impressora e até passagens aéreas."


Para sua colega Vanda, seria impossível realizar suas pesquisas sem o dinheiro dos voluntários. "Para chegar aonde realizo meus estudos é preciso ir de avião", explica. "O dinheiro deles permite pagar as passagens, além de outras despesas."


É por isso que Eaton, da EWI, espera que a idéia de usar voluntários em pesquisas pegue no Brasil. "Para o brasileiro ainda é meio esquisito ser um voluntário pagante", reconhece. "Mas aos poucos isso vai mudar. No futuro pretendemos abrir um escritório no Brasil."

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Um comentário:

Evanildo disse...

Pô, Daniel, legal você ter aproveitado minha matéria. Mas podia ter me avisado.
Evanildo da Silveira (evanildosilveira@yahoo.com.br)