segunda-feira, 26 de maio de 2008

O S   V I A J A N T E S   N A T U R A L I S T A S

"Para conhecer toda a beleza das florestas tropicais é necessário penetrar nesses retiros tão antigos como o mundo. Nada aqui lembra a cansativa monotonia de nossas florestas de carvalhos e pinheiros; cada árvore tem, por assim dizer, um porte que lhe é próprio; cada uma tem sua folhagem e oferece frequentemente uma tonalidade de verde diferente das árvores vizinhas. Vegetais imensos, que pertencem a famílias distantes, misturam seus galhos e confundem sua folhagem." Auguste de Saint-Hilaire, em "Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Gerais" (1830).


A vinda de estrangeiros ao Brasil para participar de expedições por ambientes naturais, explorando suas belezas e coletando informações científicas, pode parecer uma prática recente. Porém, a atividade já soma muitas décadas de história e aventuras. O início do Século XIX foi marcado por uma leva de estudiosos europeus – adequadamente chamados de “viajantes-naturalistas” – que realizaram incursões pelo nosso território, podendo ser considerados os precursores do que os turistas interessados em participar de práticas científicas fazem hoje.


H u m b o l d t
Um pioneiro a tentar estudar cientificamente o nosso país foi o alemão Alexander von Humboldt, que entre 1799 e 1804 viajou pela América Latina – passando pelos atuais Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Cuba e México – mas foi impedido pelos portugueses de permanecer no Brasil, por ser considerado um possível espião. Em 2000 a Universidade de Brasília (UnB) realizou a Expedição Humboldt, comemorando os 200 anos da viagem original e incluindo no roteiro as localidades brasileiras que eram parte do roteiro do pesquisador.

S a i n t - H i l a i r e
Anos depois acontece a primeira expedição a efetivamente percorrer o território brasileiro. Realizada entre 1816 e 1822, teve como protagonista o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, à época com 37 anos. A maneira de Saint-Hilaire fazer ciência foi marcante: ao mesmo tempo em que estudava o lado mais filosófico da história natural, dedicava-se à efetiva aplicabilidade das pesquisas que realizava. Ou seja, para o pesquisador, ciência teórica e prática se confundiam e misturavam com naturalidade. O “bem-estar da humanidade e a glória nacional” eram os objetivos primordiais da missão de Saint-Hilaire, responsável por remeter às colônias francesas caixas e caixas de plantas nativas do Brasil que tinham aplicação medicinal, alimentícia ou industrial, numa espécie de “biopirataria” primitiva justificada pelos benefícios que esta universalização do conhecimento traria.

F l o r a   B r a s i l i e n s i s
Praticamente ao mesmo tempo, em 1817, vêm ao Brasil dois outros europeus, os alemães Karl Friedrich Philipp von Martius e Johann Baptist Ritter von Spix, botânico e zoólogo, respectivamente. O curioso contexto de sua chegada ao país é parte importante de nossa história: a expedição veio como parte de uma missão austríaca que trazia a arquiduquesa Leopoldina para casar-se com o imperador Dom Pedro I. Durante três anos, os dois cientistas viajaram 10 mil quilômetros pelo interior brasileiro, em especial a região norte, colecionando dados sobre natureza e sociedade. Como resultado, uma publicação que ainda é considerada a obra mais abrangente sobre nossas plantas – a Flora Brasiliensis de Martius – englobando quase 23 mil espécies botânicas. No campo da zoologia, Spix foi o pioneiro em estudos com a fauna da Amazônia, tendo colhido informações básicas fundamentais e consideradas como referência até os dias de hoje, em especial sobre os vertebrados.


E x p e d i ç ã o   L a n g s d o r f f
Logo a seguir viria o físico e naturalista alemão Georg Heinrich von Langsdorff, organizador e líder da famosa Expedição Langsdorff (patrocinada pelo czar russo Alexandre I), que partiu do Rio de Janeiro em 1822 e percorreu cerca de 17 mil quilômetros até 1829. No grupo de 39 exploradores – dos quais apenas 12 sobreviveram até o final, tendo os demais sucumbido às doenças tropicais – havia cientistas, naturalistas e artistas, estes últimos encarregados pelos registros visuais dos lugares visitados. Entre eles destaca-se o pintor e desenhista austríaco Johann Moritz Rugendas. A Expedição Langsdorff foi a primeira a explorar a fundo alguns aspectos da nossa fauna, flora e povos nativos.


E v o l u ç ã o   das   E s p é c i e s
Por fim, em março de 1832, aporta na Bahia o mais célebre viajante-naturalista a visitar o Brasil: Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução das Espécies. Durante sua viagem de cinco anos a bordo do barco Beagle – de 1831 a 1836 – foram elaboradas as bases de sua teoria, publicada 23 anos depois (1859) e até hoje considerada como um dos fundamentos da biologia moderna. Em sua passagem pelo país, Darwin visitou, além da Bahia, o Rio de Janeiro, onde coletou plantas e insetos em localidades como a Floresta da Tijuca e o Jardim Botânico. Dentre os comentários feitos sobre o Brasil, o estudioso inglês revelou-se chocado com alguns hábitos da sociedade brasileira na época, em especial com a escravidão, que abominou publicamente.



Agora, quase dois séculos mais tarde, os “turistas científicos” refazem o caminho dos “viajantes naturalistas”, não mais com a presença de desenhistas para registrar as imagens e nem sendo acometidos por pragas tropicais como a malária. Hoje os artistas deram lugar às sofisticadas câmeras digitais e laptops, e as antes arriscadas expedições aventureiras são muito bem planejadas e organizadas por operadoras de turismo especializadas, em conjunto com cientistas e meios de hospedagem providos de facilidades como piscinas e ar condicionado.


SAIBA MAIS:
Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista:
experiência, relato e imagem

Por Lorelai Kury (Fundação Oswaldo Cruz)
.
.
.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O P E R A D O R A S

Foto: © Daniel De Granville, 2005


Não há dados oficiais disponíveis sobre operadoras turísticas que ofereçam regularmente roteiros de turismo científico ou que tenham programas de comercialização voltados para o segmento. Existem empresas com mais tempo de mercado e melhor preparadas para realizar este tipo de operação, e que geralmente o fazem sob demanda.

A seguir são listadas algumas operadoras que se destacam no contexto atual, em especial pela dedicação a atividades de estudos do meio com relevante enfoque científico.




Ambiental Expedições (SP)
Pioneira em operações de ecoturismo no Brasil, está no mercado desde 1987, comercializando programas tradicionais de turismo de natureza, atividades de estudos do meio e - mais recentemente - turismo científico.




Terra Nativa Ecoturismo (SP)
Fundada em 1997, tem roteiros com ênfase em estudos do meio e programas customizados para públicos com interesses específicos.




Chão Nosso Viagens Culturais (SP)
Especializada em viagens de estudos, oferece também roteiros regulares de ecoturismo (nacionais e internacionais) e viagens de incentivo.




Quíron Turismo Educacional (SP)
Também especializada em estudos do meio e viagens educacionais, com roteiros que englobam áreas naturais e também programas urbanos.


Segundo o biólogo Dino Xavier Zammataro, que especializou-se na operação de programas com cunho científico, ainda não existe uma demanda de mercado explícita para esta modalidade turística. “É um segmento onde os fornecedores e clientes ainda estão se conhecendo. Acredito que o público ‘acadêmico’ ainda não sabe que pode dispor de algumas operadoras para realizar o planejamento e logística de suas viagens de campo. Em relação ao estudo do meio, aconteceu um boom na oferta do serviço de operação. Há muita concorrência no mercado, muitas agências e operadoras especializadas no segmento passaram a funcionar, mas esta ampliação na oferta não foi acompanhada por uma melhor organização do setor e aumento da qualidade das operações”.



Perguntas? Comentários? Se você observou alguma informação incompleta/incorreta, ou ainda souber de outras operadoras que ofereçam programas de turismo científico e não tenham sido contempladas na lista acima, por favor envie um recado!

.
.
.

sábado, 10 de maio de 2008

O   P A N T A N A L


Maior planície inundável de água doce do mundo, o Pantanal espalha-se por 210 mil km² pelo Brasil, Bolívia e Paraguai – uma área equivalente à Inglaterra e Escócia somados. A parte brasileira, que corresponde a 2/3 do total (ou 140 mil km²), ocupa parte dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

A abundância de fauna – que inclui 130 espécies de mamíferos, 460 espécies de aves e 260 de peixes – faz da região um dos destinos prediletos por ecoturistas e pesquisadores em busca de atividades especializadas, como a observação de aves e o turismo científico. A vegetação predominante de savanas abertas facilita o encontro com animais como jacarés, capivaras, tamanduás e até onças, além de araras, tucanos, tuiuiús e inúmeras aves de menor porte.

Não se trata de um ambiente uniforme. O Pantanal sofre forte influência de outros ecossistemas brasileiros que o rodeiam, como o Cerrado a leste e a Amazônia ao norte. Este mosaico, que permite dividir a planície em 11 sub-regiões, explica em parte a abundância e diversidade da fauna associada às diferentes formações vegetais. Outro fator de grande influência são as duas estações do ano extremamente contrastantes: na época das cheias, geralmente de novembro a abril, grande parte do Pantanal fica coberta por uma extensa lâmina de água. No restante do ano, quando as chuvas cessam e chega a seca, o ambiente adquire características quase áridas.

A economia pantaneira baseia-se na pecuária extensiva (são cerca de 4 milhões de cabeças de gado), na pesca e no turismo, além de atividades recentes e que apresentam uma grande ameaça ambiental, como a agricultura em larga escala nas planícies ao redor e o corte de madeira para produção de carvão utilizado na siderurgia.

Mas não só a natureza é peculiar: a cultura do pantaneiro é bastante diferente daquela que encontramos no restante do país. A colonização efetiva da região atrasou quase 300 anos em relação ao leste do Brasil, tendo iniciado efetivamente no final do Século XVIII. Isto atrasou também o processo de intervenções sobre o ambiente natural. Pela maior proximidade com os países vizinhos do que com os grandes centros brasileiros, a culinária, a música, o linguajar e a vestimenta de quem vive no Pantanal são um atrativo à parte. A sopa paraguaia e o tereré, a dança do siriri, a guaiaca e o arreador são alguns dos aspectos interessantes a se conhecer durante uma visita.

E S T U D O S   D O   M E I O

Foto: © Daniel De Granville, 2007


Várias operadoras turísticas, especialmente na cidade de São Paulo, oferecem programas de turismo científico com ênfase em meio ambiente para estudantes dos ensinos fundamental e médio, através de excursões conhecidas como “estudos do meio”. Os principais destinos das viagens organizadas por estas operadoras para os alunos são o Pantanal, Bonito (MS), a Ilha do Cardoso (litoral Sul de São Paulo) e a Amazônia.

O estudo do meio é atualmente a atividade que mais coloca brasileiros em contato com a prática científica através do turismo de natureza, pois o público adulto que participa das atividades com pesquisadores é composto, em sua maioria, por estrangeiros viajando individualmente ou em grupos menores.

Escolas conceituadas, como o Colégio Santa Cruz (SP) e a Escola Britânica (RJ), promovem excursões que já foram incorporadas ao calendário escolar, sendo realizadas anualmente de acordo com as séries de ensino. Os alunos recebem preparo prévio sobre os destinos que serão visitados e têm uma agenda de trabalhos com cunho científico a serem desenvolvidos antes, durante e após a viagem, cujos resultados são parte do seu conceito final na escola.

Atividades que envolvem censo de animais, estudos sobre perfis de solo e de vegetação, tratamento estatístico dos dados coletados e análises laboratoriais de qualidade das águas fluviais, entre outras, são o primeiro contato destes adolescentes com os fundamentos da metodologia científica.



Perguntas? Comentários? Se você observou alguma informação incompleta/incorreta, ou ainda souber de outras escolas que ofereçam programas de turismo científico e não tenham sido contempladas na lista acima, por favor envie um recado!

.
.
.

" P A G A R   P A R A   C A Ç A R   S A P O S "

Foto: © Daniel De Granville, 2003



Quando comecei a idealizar o blog, tinha uma clara idéia sobre o texto que escreveria como forma de introduzir aos leitores a noção sobre o que é turismo científico. Em especial, queria enfatizar a questão de como soa estranho, para a maioria dos brasileiros, que possa existir pessoas pagando para conviver em um ambiente geralmente hostil, realizando atividades que estão longe do nosso conceito de programa turístico. Fiquei surpreso ao descobrir, em rápida pesquisa na internet, uma matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo em 21/11/2004 e que traduzia exatamente este meu conceito inicial. O texto, escrito por Evanildo da Silveira, começa assim:

“Pagar para se embrenhar na mata atrás de morcegos ou chafurdar em pântanos à caça de sapos e cobras é uma idéia no mínimo estranha. Pelo menos no Brasil. Mas por estranho que pareça há gente fazendo isso. Nos últimos quatro anos, pelo menos 700 pessoas, de 16 a 80 anos, das mais variadas profissões, a maioria de estrangeiros, se dispuseram a pagar US$ 2.400 para ajudar cientistas em pesquisas de campo no Pantanal”
.

Por considerar a matéria muito interessante e eficiente como introdução ao tema, ao invés de desenvolver um novo texto eu optei por indicá-la como “leitura obrigatória” para quem quiser entender melhor o que é o turismo científico hoje no Pantanal, sob o ponto de vista das diversas pessoas envolvidas na atividade.

A matéria na íntegra segue abaixo, e a versão original encontra-se aqui. Se preferir, faça o download do arquivo em PDF.

Boa leitura!

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


“PAGAR PARA CAÇAR SAPOS”
Originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo em 21/11/2004 - autor: Evanildo da Silveira

Pagar para se embrenhar na mata atrás de morcegos ou chafurdar em pântanos à caça de sapos e cobras é uma idéia no mínimo estranha. Pelo menos no Brasil. Mas por estranho que pareça há gente fazendo isso. Nos últimos quatro anos, pelo menos 700 pessoas, de 16 a 80 anos, das mais variadas profissões, a maioria de estrangeiros, se dispuseram a pagar US$ 2.400 para ajudar cientistas em pesquisas de campo no Pantanal.

Quem organiza as excursões dessa espécie de turismo científico é a Organização Não-Governamental Earthwatch Institute (EWI), que atua em cerca de 50 países. No Brasil, ela trabalha em parceria com outra ONG, a Conservação Internacional, que cede sua Fazenda Rio Negro, que tem uma área de reserva ambiental de 7 mil hectares, no município de Aquidauana, no pantanal de Nhecolândia, em Mato Grosso do Sul, para os estudos de campo.


Segundo o biólogo americano Don Eaton, diretor do Centro de Pesquisas do EWI no Pantanal, o objetivo das excursões é envolver a sociedade na ciência. "Queremos que as pessoas passem a dar valor à atividade científica", explica. "Além disso, nosso objetivo é transformar esses voluntários que participam das pesquisas em embaixadores da conservação do Pantanal."


Para a bióloga brasileira Ellen Wang, coordenadora do EWI no Pantanal, o envolvimento do público é uma das maneiras mais eficientes de abordar questões ambientais complexas em todo o mundo e conscientizar mais pessoas em relação a elas. "Participando de estudos científicos, elas percebem a necessidade da preservação dos recursos renováveis e não renováveis", diz. "Assim, elas podem ajudar na busca de soluções pelo desenvolvimento sustentável."


Além das pessoas que pagam uma taxa para participar das expedições científicas, que já somam mais de 65 mil em todo o mundo, o EWI também tem parcerias com empresas multinacionais, como o banco HSBC, a Shell, a British American Tobacco Company, a Diageo e a Alcoa e a mineradora Rio Tinto, que pagam para seus funcionários participarem das pesquisas. Assim como os voluntários individuais, eles trabalham com os cientistas por, no máximo, duas semanas.


Foi o caso do engenheiro florestal Paulo Augusto Bueno Rocha, da Mineração Corumbaense Reunida S.A. (MCR), empresa do Grupo Rio Tinto. Em dezembro de 2002, ele participou, durante uma semana, de três projetos de pesquisa. Durante a experiência, Rocha realizou diversas atividades, como preparar o material para a pesquisa no campo e a instalação de redes para captura."Foi espetacular", diz. "Participei de estudos sobre morcegos, onça-pintada e catetos e queixadas. A experiência foi ótima, pois aprendi muita coisa sobre a fauna."


Sua colega de empresa Tânia Shirley Sousa, secretária-executiva da gerência-geral da MCR, também não se arrepende de ter participado de um programa de turismo científico. Durante cinco em dias, em janeiro deste ano, Tânia participou das pesquisas sobre répteis e anfíbios da bióloga Vanda Lúcia Ferreira, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) "Adorei", diz. "Recomendo a qualquer pessoa. Participamos do Projeto Saving the Pantanal. O envolvimento e a preocupação foram contagiantes."


Sem nenhuma ligação anterior com ciência ou pesquisa, Shirley diz que aprendeu muito com a sua participação no trabalho dos cientistas. "Aprendi a entender que sem preservação não temos como desfrutar o meio ambiente", conta. "Seria bastante interessante que o projeto se estendesse às escolas de educação infantil e aos fazendeiros (os que mais degradam o meio ambiente, não todos, mas a maioria). Os anfíbios e os répteis são grandes indicadores de qualidade do meio ambiente."


Assim como eles, que saíram com novos conhecimentos da experiência, a empresa para a qual trabalho também teve ganhos. "Como parte do trabalho realizado na MCR fazemos a 'revegetação' das áreas mineradas", explica. "O conhecimento mais específico da fauna que adquiri ajuda nessa tarefa, pois o uso de espécies que atraem os animais para esses locais contribui, e muito, para o processo de sucessão natural das espécies vegetais e, portanto, na reintegração dessas áreas à paisagem natural."


Os cientistas, que a princípio estavam receosos de trabalhar com leigos, também aprovaram a experiência. "No começo achei que não iria dar certo", lembra a bióloga Vanda Lúcia. "Mas acabei me rendendo e adorando. Os voluntários são pessoas que não reclamam de entrar no mato, na água ou de desatolar um carro."


O ecólogo George Camargo, da mesma universidade, que realiza pesquisas sobre morcegos, é outro cientista que gostou da ajuda dos turistas científicos. Entre abril de 2002 e março deste ano, ele trabalhou com cerca de 60 voluntários de vários países e do Brasil, como Rocha, em grupos de três ou quatro, em períodos intercalados de 7 a 14 dias. "É um pessoal interessado e sempre bem-disposto", elogia. "Com a ajuda deles, capturei 690 morcegos de 25 espécies."


Outro aspecto que faz com que os turistas científicos sejam bem-vindos é o dinheiro. Parte dos US$ 2.400 que eles pagam para o EWI vai para os projetos de pesquisa. "É uma ajuda financeira importante", diz Camargo. "Com ela a gente pode comprar o material de consumo das pesquisas, como combustível, papel, tinta para impressora e até passagens aéreas."


Para sua colega Vanda, seria impossível realizar suas pesquisas sem o dinheiro dos voluntários. "Para chegar aonde realizo meus estudos é preciso ir de avião", explica. "O dinheiro deles permite pagar as passagens, além de outras despesas."


É por isso que Eaton, da EWI, espera que a idéia de usar voluntários em pesquisas pegue no Brasil. "Para o brasileiro ainda é meio esquisito ser um voluntário pagante", reconhece. "Mas aos poucos isso vai mudar. No futuro pretendemos abrir um escritório no Brasil."

.
.
.

P R Ó S   E   C O N T R A S

Foto: © Daniel De Granville, 2004


Como qualquer atividade que envolva questões relacionadas à interação de pessoas em ambientes naturais, é importante avaliar os impactos e sentimentos – positivos e negativos – que o Turismo Científico causa, em especial por se tratar de modalidade relativamente recente e com poucos dados disponíveis sobre estes aspectos. A maneira encontrada para traçar um perfil atual do Turismo Científico no Pantanal foi através de entrevistas realizadas com pessoas diretamente envolvidas em sua execução: pesquisadores, operadores de turismo e turistas que já participaram de um programa assim.

Dentre os cientistas, há uma visão clara sobre o que significa trabalhar em atividades bastante diversas da rotina clássica de um pesquisador acadêmico. “São poucos os cientistas com esse perfil, apesar de serem professores em suas instituições, mas o pesquisador deve enxergar que nestas circunstâncias ele nada mais estaria fazendo do que lecionando de forma prática, a grande missão da profissão que escolheu”, afirma o ecólogo George Camargo, analista de biodiversidade da Conservation International do Brasil e coordenador das atividades com morcegos oferecidas pelo Instituto Earthwatch.

B e n e f í c i o s
Os benefícios trazidos pelo envolvimento de turistas em suas pesquisas vêm, principalmente, na forma de aporte financeiro a seus projetos e no auxílio com as atividades em campo. “Ao pagar para participar de projetos de pesquisa, os voluntários contribuem para a aquisição de equipamentos e até bolsas para estagiários acadêmicos”, continua Camargo. “Outra forma de ajuda é como força de trabalho. A parafernália de pesquisa pode ser pesada, numerosa e desajeitada, necessitando assistentes que podem onerar projetos com poucos recursos. Ao desempenhar funções como esta e ajudarem na coleta e anotação de informações, os voluntários ajudam na consolidação da pesquisa e, do ponto de vista deles, saem com a sensação real de que fizeram um belo papel para a conservação da vida selvagem”, avalia. Sua colega Neiva Guedes, idealizadora do Projeto Arara Azul, vai além: “muitos turistas são pesquisadores ou amantes da natureza e estudam muito, visitam outros projetos mundo afora e acabam contribuindo conosco através da troca de informações. A atividade cria, ainda, mais oportunidades de trabalho para as comunidades, com conseqüente melhoria na estrutura local”.

C u i d a d o s   N e c e s s á r i o s
Obviamente alguns aspectos inspiram preocupação por parte dos pesquisadores, que acabam desempenhando uma função de “guia de turismo” geralmente estranha à sua vivência profissional. Problemas como a inexperiência dos participantes, não só na lida com metodologias científicas, mas também no convívio em ambientes naturais, são algumas das dificuldades relatadas. “Às vezes perde-se um tempo excessivo explicando o trabalho e instruindo os voluntários nas tarefas como a utilização de equipamentos. A falta de consistência na coleta de dados e a não familiarização com os protocolos de coleta podem resultar em anotações distorcidas – mas nada que explanações e treinamento prévio não resolvam, assegurando o sucesso da expedição”, afirma a zoóloga Ellen Wang, que já foi Diretora do Centro de Pesquisa da Earthwatch Institute e pode ser considerada uma autoridade no assunto. Afinal, além de cientista, há anos ela atua regularmente como guia de ecoturismo no Pantanal. “Eu gosto muito desta função. Boa parte de nossos voluntários são educadores que certamente terão papel fundamental na disseminação dos conhecimentos adquiridos durante o período em que passaram na companhia de pesquisadores e moradores locais”.

E x p e r i ê n c i a s
É o caso da norte-americana Kristin Anderson, que trabalha no setor de Responsabilidade Social Corporativa (CSR) da Starbuck’s Coffee em Seattle e esteve no Pantanal em 2006 através do Instituto Earthwatch. “No meu caso foi uma espécie de viagem de negócios. Nós optamos por um projeto científico para posteriormente envolvermos jovens universitários em algum trabalho voluntário expressivo. Mas independente do trabalho, eu procuro passar no mínimo uma semana das minhas férias em alguma atividade que envolva aprendizado ou ensino voluntário, e o Earthwatch oferece a combinação ideal”.

A também norte-americana Carolyn Sheehan visitou a região em julho de 2007 com a NCSU Sci-Link. “A idéia de ir ao Pantanal foi da minha orientadora na Universidade do Tennessee. Quando a bolsa para a viagem foi aprovada, comecei a me informar e a cada conversa com alguém que já tinha ouvido sobre o Pantanal eu ficava mais animada! Foi sensacional vivenciar o que está acontecendo em termos de ensino de ciências e turismo em lugares como os que nós visitamos. Eu acredito muito na educação como um aspecto crucial que deve estar presente no turismo e no ambientalismo, e vi que isto está efetivamente ocorrendo lá”.

I m p a c t o s   N e g a t i v o s
Ao contrário dos impactos positivos trazidos pelo envolvimento de turistas com cientistas em áreas naturais, os riscos oferecidos ao ambiente pantaneiro parecem ainda não estar muito claros. Em termos gerais, o relato dos pesquisadores não difere muito dos impactos causados pelas modalidades tradicionais de turismo de natureza: trânsito constante de pesquisadores e voluntários numa mesma, área afugentando animais (em especial no caso de grupos muito grandes) e coleta não-autorizada de material (penas, frutos, material genético), foram alguns dos aspectos negativos citados pelos especialistas.

O biólogo Dino Xavier Zammataro especializou-se na operação de programas com cunho científico, em especial estudos do meio para escolas do ensino fundamental e médio, tendo trabalhado em duas conhecidas operadoras turísticas de São Paulo. Ele alerta para alguns impactos que podem advir de atividades mal administradas. “Com relação às atividades em ambiente natural, devem ser seguidas todas as recomendações para minimizar o impacto da visitação, como em qualquer grupo de turismo. Cuidados especiais devem ser tomados quando as atividades prevêem a interferência direta no objeto a ser estudado, como captura de fauna ou de flora para observação e posterior soltura. Deve-se prestar atenção às épocas onde as populações podem ficar mais vulneráveis a interferências, como épocas de nidificação, acasalamento, procriação. Como regra, a manipulação direta de fauna e flora só deve ser feita se for essencial para a pesquisa em andamento”.

No campo social, Dino considera que a visita e interação próxima dos turistas com as comunidades e moradores locais tradicionais deve ser muito bem preparada. “Os turistas devem ser preparados para que não causem impacto nos costumes locais. A postura e comportamento devem ser adequados às práticas locais, e a comunidade a ser visitada também deve ser preparada. A valorização e fortalecimento da cultura local é essencial para que valores e costumes dos visitantes não se sobreponham aos locais”, ressalta.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O B S E R V A Ç Ã O   D E   A V E S

Foto: © Daniel De Granville, 2007


Fazer turismo científico não se limita a participar de longas viagens para lugares distantes, dentro de um roteiro organizado pelas operadoras especializadas. Entusiastas da vida selvagem, às vezes sem mesmo saber, podem ter um papel muito importante na ligação entre lazer e pesquisa.

O melhor exemplo vem da observação de aves, atividade que movimenta bilhões de dólares anualmente. Já são bastante difundidos na Europa e Estados Unidos os “bird counts”, contagens voluntárias de determinadas espécies ou grupos de espécies durante certas épocas do ano. Estes dados são então compilados e utilizados por ornitólogos em suas pesquisas acadêmicas. No Brasil, o Centro de Estudos Ornitológicos – CEO realiza prática semelhante todos os anos no Parque Ecológico do Tietê (São Paulo) e outros pontos. Tal atividade vem recebendo a denominação de “ciência cidadã”.

Em países como o nosso, onde a grande diversidade de espécies, as dimensões continentais e as limitações orçamentárias à pesquisa são barreiras ao avanço científico, a participação destes entusiastas pode ter grande importância no apoio aos pesquisadores. Não são poucos os casos em que observadores e fotógrafos de vida selvagem, sem necessariamente terem formação acadêmica, descobrem durante suas atividades espécies de difícil registro em determinadas localidades, ou aspectos comportamentais (alimentação, reprodução, migração, defesa de território) nunca antes descritos pela ciência.

Um caso recente é o do caboclinho-de-são-paulo (Sporophila bouvreuil saturata), que ficou desaparecido por mais de 100 anos até ser reencontrado por acaso pelo publicitário e fotógrafo Antônio Wuo na região de Mogi das Cruzes (SP). A ave virou tema de Mestrado da bióloga Érika Machado, do Laboratório de Ornitologia da USP (leia a história completa).


.:Saiba mais sobre observação de aves no Brasil:.

Observação de Aves (Repórter Eco, TV Cultura - jul/2006)
ler texto | ver vídeo

Olha o Passarinho, por Sérgio Túlio Caldas
(Revista Globo Rural, ago/2007)

Aves à vista, Por Andréa D’Amato
(Revista Vida Simples, abr/2008)

Observando Aves no Planalto da Bodoquena, Por Tietta Pivatto
(Portal Bonito, 2006)

As aves que aqui gorjeiam, por Marcelo Maragni
(Revista Host, set/2005)

.
.
.

E S P É C I E S

Muitas espécies de animais e plantas, além de outros aspectos ambientais, são temas das pesquisas vivenciadas por quem participa de atividades de turismo científico. A seguir listamos 5 dos principais representantes da nossa fauna que se destacam nos projetos.


(fotos: © Daniel De Granville, 2004-2007)




Onça Pintada (Panthera onca)
O maior felino das Américas é também um dos mais enigmáticos representantes de nossa fauna. Seu comportamento de predador e sua posição no topo da cadeia alimentar, associados à dificuldade em serem observadas na natureza, fazem dele o objeto de desejo daqueles que se interessam pela observação de vida selvagem, algo como os “big five” da África. De hábitos solitários, comportamento noturno e diurno, podem pesar até 120 kg. Há evidências de que as onças do Pantanal tendem a ser maiores quando comparadas com indivíduos de outras regiões do Brasil, provavelmente por se tratar de um ambiente mais aberto, onde o deslocamento não é dificultado pela vegetação de floresta densa. A destruição de hábitats e a caça, principalmente por ser um predador de rebanhos domésticos, estão entre as principais ameaças à espécie.




Arara Azul Grande (Anodorhynchus hyacinthinus)
Trata-se do maior psitacídeo (família da araras, periquitos e papagaios) do mundo, podendo atingir 1 metro de comprimento. Além do Pantanal, ocorre também no sul da Amazônia e outras partes das regiões Norte e Nordeste. Passam a maior parte da vida em bandos, permanecendo aos casais no período reprodutivo, durante o segundo semestre do ano. Seu principal alimento são cocos de palmeiras nativas, como o acuri (Scheelea phalerata), que conseguem quebrar com seus poderosos bicos. O ninho é feito em ocos de árvores, com destaque para o manduvi (Sterculia). Está na lista de espécies ameaçadas da IUCN, principalmente devido à destruição de hábitats, tráfico e utilização em arte plumária indígena.




Papagaio Verdadeiro (Amazona aestiva)
Medem aproximadamente 36 cm, com peso em torno de 400 gramas. É uma espécie monogâmica, ou seja, após se formarem os casais permanecem unidos durante toda a vida. São animais conhecidos por sua longevidade (mais de 50 anos em cativeiro e de 20 a 30 anos na natureza). Alimentam-se de sementes, frutos, polpas e brotos de folhas e flores. Das dezenas de espécies de papagaios, o Amazona aestiva é o mais cobiçado como animal de estimação pela facilidade com que aprende a imitar sons humanos (daí o nome popular “verdadeiro”). Dentre os animais silvestres mantidos em cativeiro no Brasil, esta é a espécie mais comum, sendo a mais apreendida nas mãos de traficantes de fauna.




Ariranha (Pteronura brasiliensis)
Curioso animal semiaquático que vive em grupos de até nove indivíduos. Excelentes mergulhadoras, possuem nítidas adaptações para a vida na água, como as membranas entre os dedos (à semelhança dos patos) e uma cauda achatada que auxilia na propulsão. Alimentam-se principalmente de peixes, podendo comer serpentes e filhotes de jacarés. Fazem tocas no barranco dos rios, onde criam seus filhotes. As marcas brancas que possuem na garganta são únicas para cada indivíduo, servindo como uma “impressão digital”. Sua vocalização, composta por grunhidos e outros sons agudos, é inconfundível. A caça no passado (para uso da pele ou pelo fato de competirem com pescadores) e a perda de hábitats são as principais ameaças para a espécie, classificada como “em perigo” pela IUCN.




Morcegos (Chiroptera)
Nesta grupo enquadram-se os únicos mamíferos capazes de voar. Possuem os membros anteriores transformados em asas, compostas pelos dedos extremamente alongados entre os quais existem membranas flexíveis. De hábitos noturnos, utilizam-se de um tipo de sonar para se orientar, em um processo denominado ecolocação (no Velho Mundo existem as chamadas “raposas voadoras”, que não possuem esta característica e se orientam pela visão e olfato). No mundo existem cerca de 950 espécies de morcegos, sendo o segundo grupo mais diverso de mamíferos na atualidade depois dos roedores. Destas, 141 ocorrem no Brasil. Nas florestas tropicais, geralmente há mais espécies de morcegos do que todos os outros mamíferos somados. Apesar do preconceito e superstições que envolvem estes animais, são extremamente importantes no equilíbrio ecológico, controlando a população de insetos dos quais se alimentam e dispersando sementes e pólen de plantas.

Perguntas? Comentários? Se você observou alguma informação incompleta/incorreta, ou ainda souber de outras espécies que não tenham sido contempladas na lista acima, por favor envie um recado!
.
SAIBA MAIS SOBRE OS PROJETOS
.
.
.

S O B R E    O    B L O G

Este trabalho foi desenvolvido como projeto de conclusão do curso de Especialização em Jornalismo Científico, oferecido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor - Unicamp).

Todas as informações constantes do site foram obtidas e compiladas pelo autor de forma voluntária, sem qualquer espécie de patrocínio ou contrapartida por parte das instituições mencionadas, garantindo assim a isenção e lisura dos dados apresentados.

O conteúdo publicado foi submetido a checagens prévias, mas se ainda assim você tiver observado alguma informação incompleta ou incorreta, por favor envie um recado ao autor solicitando retificação. Agradecemos a colaboração.



TODOS OS TEXTOS E IMAGENS:
© Daniel De Granville (exceto quando indicado).

Reprodução permitida somente com
autorização expressa do autor.
.
.
.